Ainda o Philip Seymour Hoffman (R.I.P.), enquanto Lester Bangs
Lúcio Ribeiro
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* Acontece hoje o funeral, em Nova York, do ator Philip Seymour Hoffman, morto domingo passado possivelmente de uma overdose de heroína, aos 46 anos de idade. A cerimônia, fechada e em Manhattan, tem mais astros do cinema do que a cerimônia do Oscar, o que mostra o quanto a classe artística ficou em choque com o ocorrido. Em plena forma antes do “acidente”, Hoffmann tem dois filmes a estrear em breve.
Nesta semana, à luz do passamento do ator, o jornal americano “Los Angeles Times” publicou artigo de um jornalista de música sobre como foi importante para ele a atuação de Hoffman no filme “Quase Famosos”, na pele do lendário Lester Bangs, que escreveu sobre rock nos áureos tempos da “Rolling Stone” americana.
“Almost Famous”, de 2000, foi dirigido pelo cineasta Cameron Crowe, ele mesmo um colaborador de textos de rock para a “Rolling Stone” antes de abraçar o cinema como bem-sucedida atividade profissional (“Quase Famosos” é tido como uma semibiografia de Crowe).
O filme é sobre um teenager que queria seguir essa carreira incrível de jornalista de rock (né?) nos anos 70 e fazia uns textos para jornais pequenos de San Diego, onde morava. Até que resolveu mandar uns desses artigos seus para a “Rolling Stone” e de repente ganhou a chance de escrever uma resenha de um show do Black Sabbath, hahaha.
Como não conseguia credencial para entrar na arena e ver o show, acabou fazendo uma certa amizade com a banda de abertura, a Stillwater. E a partir daí o filme se desenvolve brilhantemente. Ainda o garoto, William Miller foi tomando conselhos jornalísticos do “difícil” Lester Bangs, considerado um dos maiores e mais demolidores críticos da história do jornalismo musical.
Enfim, tudo isso para dizer que o jornalista do “Los Angeles Times”, nesta semana, disse que o Lester Bangs de Hoffman o ajudou a querer escolher a carreira de crítico musical como profissão. E publicou o diálogo de uma cena do filme em que William liga para Bangs e ganha uma lição sobre “jornalista ser amigo de banda” e sobre o que é ser cool e uncool nessa carreira.
A tal cena, a Popload botou aqui em vídeo também nesta semana, em texto-homenagem a Hoffman e que falava principalmente de uma banda americana que era batizada com o nome do ator. Aqui.
O “Los Angeles Times” reproduziu em sua página toda a tal conversa telefônica marcante de Bangs com William no filme. Achei legal livremente traduzi-la também aqui na Popload.
Lá vai.
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Lester Bangs: Iiiih, cara. Você ficou amiguinho deles. Olha, camaradagem é o álcool que eles te servem. Eles querem que você fique bêbado com a sensação de que você faz parte da turma deles, que entrou para o clube.
William Miller: Bem, foi um lance divertido.
Bangs: Eles fazem você se sentir cool. E quer saber? Eu vi você. E vc não é cool.
Miller: Eu sei. Mesmo quando eu pensava que eu era, eu sabia que não era.
Bangs: Isso é porque eu e você somos pessoas uncool. E, enquanto mulheres serão sempre um problema para a gente, boa parte da grande arte no mundo também é sobre sobre elas. Os bonitinhos não têm base nenhuma, de nada. A arte deles não dura nada. Eles pegam as garotas, mas nós somos mais espertos que eles.
Miller: Eu realmente consigo enxergar isso agora.
Bangs: Sim, a grande arte é sobre conflito e dor e culpa e desejo e amor disfarçado de sexo e sexo disfarçado de amor… E vamos encarar a coisa, você teve um belo começo.
Miller: Ainda bem que você está em casa para me atender.
Bangs: Eu estou sempre em casa. Eu sou uncool.
Miller: Eu também.
Bangs: O único dinheiro que vale nesse mundo falido é o que a gente divide com alguém que é tão uncool quanto a gente.
Miller: Me sinto melhor agora.
Bangs: Meu conselho para você. Eu sei que você pensa que esses caras são seus amigos. Você quer ser um verdadeiro amigo para eles? Seja honesto e não tenha piedade.
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