Especial Popload: 1994, o último grande ano da música?
Lúcio Ribeiro
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* A discussão está na capa da Ilustrada, da Folha de São Paulo, desta segunda-feira. Fui convidado a escrever sobre a efeméride que lembra o famoso ano de 1994 na música, 20 anos este ano, época de estreia em disco de bandas iniciantes que virariam gigantes logo, de importantes lançamentos de discos de nomes já conhecidos mas que neste bendito ano se consagraram de vez, de um estabelecimento de novas e variadas cenas e principalmente e por tudo isso de novos pensamentos comerciais para a música jovem. Claro, tudo em decorrência do que o Nirvana fez três anos antes, ao demolir conceitos com a revolução grunge blablablablá.
O legal de 1994, uma era imediatamente pré-internet, importante frisar, é que nesse exato ano, também como efeito de 1991, surgiram significantes frutos até no Brasil, num zeitgeist sonoro que levou ao mainstream (que mainstream?) de repente bandicas de reggae de Minas Gerais, como o Skank, pequenos agitadores revolucionários locais de Recife, como Chico Science & Nação Zumbi, ou desbocados trazendo ao rolê hardcore elementos como o forró numa cidade como Brasília.
Na carona da capa da Ilustrada, a Popload vai lembrar durante alguns posts importantes lançamentos de 1994, lá fora e aqui dentro, e trará para a discussão uma galera que participou dessa cena, de um jeito ou de outro. Como o texto da Folha foi bem editado por causa da limitação de espaço para caber no jornal, como sempre acontece, a gente bota por aqui a íntegra da reportagem de abertura e dos papos todos com os convidados. O assunto é extenso. E começa assim:
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O primeiro disco do Oasis, o álbum de estréia do Beck, Chico Science surgindo com a mistura de maracatu com psicodelia em Recife e Raimundos inovando ao mesclar forró com rock pesado em Brasília. Prodigy começando a levar a música eletrônica para as massas, Green Day e Offspring revitalizando o grito punk em nível planetário e Skank passando de bandinha indie de reggae de Belo Horizonte para bandaça pop de sucesso nacional vendendo mais de 1 milhão de discos.
Se o Nirvana e a revolução grunge de Seattle mudou a música jovem em 1991 com a famosa quebradeira de parâmetros sonoros, foi em 1994, 20 anos este ano, que os frutos dessa profunda mudança de hábitos musicais tanto na feitura dessa música quanto em sua comercialização apareceram no exterior e no Brasil, aprisionados em 12 iluminados meses de novas concepções artísticas ligadas à música independente, que passava inclusive no Brasil a não ser mais tão independente e de gueto assim.
Enquanto a morte estúpida de Kurt Cobain botava uma nuvem negra sobre o rock na época e Beck gritava em música que era um desgraçado e evidenciava o deboche da “Geração Loser”, aqui no Brasil o Planet Hemp ensaiava a polêmica do hino “Legalize Já”, respaldado pela molecada que crescia com a consolidada MTV, os Racionais MC’s juntava em coletânea suas pequenas pérolas rap para falar para mais gente sobre as desventuras da periferia e dos presídios em letra, Marisa Monte produzia seu próprio disco, o melhor até então (era seu terceiro) e entrava direto no número 1 dos mais vendidos no país, em época de animação pela estabilidade econômica com a chegada do Plano Real, mas ao mesmo tempo com a pátria ainda em luto pela morte do piloto Ayrton Senna.
Com tudo o que aconteceu aqui dentro e lá fora, seja no frescor das novas ideias ou na reciclagem de velhos estilos em novos momentos, pela movimentação de megagravadoras atrás do novo, a afirmação da MTV como canal musical e até uma situação sócio-econômico diferente,
1994 foi o atestado de que o mundo tinha outro hábitos musicais. E numa era pré-Internet.
“As idéias eram frescas, a música também e a hora era propícia”, diz o guitarrista Lucio Maia, da Nação Zumbi, que em 1994 lançou com o cantor Chico Science o importante “Da Lama ao Caos”, álbum de estréia que fez o movimento de contracultura de Recife, o manguebeat, ser conhecido em todo o país.
“Só tivemos contato com a cena nacional dos anos 90 quando fomos a SP para um show no Aeroanta em junho de 93. Até então não tínhamos tido sequer ciência da existência de uma cena no país. Meses depois, já com contrato assinado com a Sony Music, conhecemos bandas como Raimundos, Little Quail, Skank, Planet Hemp. Acho que foi uma ‘consciência coletiva’ de época de que a música no Brasil precisava mudar, essa que floresceu em 1994.”
Para Samuel Rosa, do Skank, que em 1994 lançou o disco “Calango” e fez três músicas próprias e um cover de Roberto e Erasmo virarem hits nacionais depois de dois álbuns conhecidos apenas em Minas Gerais, se tanto, 1994 foi mesmo um ano bem representativo para a geração musical da qual sua banda fez parte.
“Não acho que toda essa cena que existiu ali tenha se consolidado como um movimento específico, mas havia importantes interseções entre as manifestações musicais daquele momento. Havia mesmo um tentativa de toda aquela turma de criar uma nova identidade para a música brasileira, de se diferenciar da geração anterior (anos 80). Cada um a sua maneira”, afirmou o cantor e guitarrista.
“Essa tentativa acabou por redundar em caminhos similares, tais como o resgate de elementos musicais brasileiros, mesclados a outras informações musicais ainda com certo ineditismo no Brasil, como hardcore, o rap, o raggamufin”, disse Rosa.
“As dificuldades por nós encontradas naquela ocasião, de certa forma também acabaram por nos aproximar até mesmo mais do que propriamente os caminhos estéticos escolhidos por cada um. A lida com gravadoras, contratantes, a experiência dos tempos de independência, os festivais, a MTV e por aí vai. O que para mim, não deixa de ser um traço positivo, que criou uma certa diversidade necessária.”
Carlos Eduardo Miranda, que na época estava deixando o jornalismo musical para virar produtor de bandas, aproveitou o espírito daquele começo dos anos 90 para fundar um selo de novos talentos, o Banguela Records, junto com integrantes da já consagrada banda Titãs. Pelo Banguela, Miranda gravou o primeiro disco dos Raimundos e lançou ainda, entre outros, o Mundo Livre S/A, outro expoente a sair do manguebeat pernambucano.
“1994 começou em 1991. De especial, o ano é o momento em que tudo o que estava acontecendo na música se cataliza”, apontou.
“Uma coisa que aconteceu foi que a gente aproveitou aquela correria atrás do novo e criou o Banguela dentro da Warner e botou os Raimundos ainda sem disco para abrir os shows dos Titãs, da turnê Titanomaquia, o álbum lançado em 1993. O boca-a-boca em torno dos Raimundos já estava forte. Aí surpreendeu todo mundo. Plateia inteira cantando as músicas dos Raimundos. A gravadora não imaginava e saiu sem entender nada o que estava acontecendo. Mas a gente entendia.”
E hoje em dia? O que 2014 pode trazer de parecido com 1994, dada a evolução, involução, revolução musical a partir da internet?
“Sempre tem coisas novas sendo formentadas. Nesse exato instante pode estar surgindo uma banda com uma idéia revolucionária e uma música poderosa. Esse material provavelmente estará disponível de graça na rede, concorrendo pela atenção das pessoas com toneladas de lixo. Um novo movimento musical pode começar e acabar em semanas e não ficamos nem sabendo”, acredita o guitarrista Lucio Maia.
O líder do Skank, olhando para trás e tentando enxergar para frente, foi mais longe.
“Vendo a música hoje, fico pensando se o caminho para as novas bandas brasileiras não seria mesmo o de acreditar que num futuro, não agora, a cultura da música no Brasil pudesse amadurecer até ao ponto em que está hoje em outro lugares. Nos EUA por exemplo, a cena independente é auto-suficiente. Não seria possível então que o circuito de shows e festivais e até mesmo do consumo de música no Brasil possam ainda num futuro próximo ganhar musculatura a ponto das bandas darem definitivamente as costas para o mainstream, assim com acontece lá? Talvez eu não tenha me dado conta de que seja nessa premissa que estão acreditando essas novas bandas brasileiras. Tomara”, falou Samuel Rosa.
“Bandas como o Arcade Fire, ou ainda uma mais indie como o The Shins, por exemplo, enchem o Madison Square Garden, tocam nos principais festivais do mundo e estão longe de querer disputar espaço com o que vende milhões nos EUA.
Pensando dessa maneira, começo a acreditar que podemos sim ter uma cena relevante no Brasil mas com contornos totalmente diferentes do que tivemos em 94 ou nos anos 80. Um tipo de fenômeno de públicos mais específicos, que acaba sendo uma característica de mercados mais amadurecidos e dessa nova ordem, muito diferente daquela de outros tempos.
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