Como o Coachella salvou a vida de um homem. Em pleno vôo para Los Angeles
Lúcio Ribeiro
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* Está começando por agora o segundo final de semana do colossal Coachella Festival, lá no deserto de Índio, Califórnia. Vamos, mesmo numa intensidade diferente da empregada na semana passada, falar de um dos principais eventos de música do mundo. Para iniciar os trabalhos, quero trazer aqui a história da Mariana Perroni, uma amiga minha de shows e festivais que se dirigia do Brasil ao Coachella e salvou a vida de um sujeito que teve um piripaque sério em pleno vôo. Mariana é médica e socorreu o homem, no avião para Los Angeles. Ah, se Mariana não estivesse indo para o Coachella…
Ela mesmo conta. Foi assim:
Foto de agora há pouco do Instagram da Mariana, já em Índio, pronta para o primeiro dia do Coachella. A montanha de pedra e o cactus atrás dela entregam o local
“Então, tá.
Depois de quatros anos, decidi aproveitar minhas férias e voltar para meu terceiro Coachella. Já fui a um número considerável de festivais de música, mas, mesmo com toda a poeira e perrengues logísticos, esse permanece como meu preferido. Só que, desta vez, algumas coisas foram diferentes: não foi só o primeiro dígito da minha idade que havia aumentado (passei dos 20 para os 30), a experiência também. Eu já sabia quais tosquices inocentes evitar no processo da chegada até aqui, desde os assentos de avião em que se tem maior chance de dormir (por menor probabilidade de sentar gente do seu lado), até os hotéis mais aceitáveis e bem localizados aqui neste seco e quente fim de mundo em que todos os estabelecimentos, comerciais ou não, são pintados de cor de papel pardo. Afinal, não achar barata no quarto é algo essencial.
Antecipar problemas, inclusive, é um negócio que eu faço meio que diariamente. Sou chata? Não. Eu sou médica intensivista. É quase a mesma coisa (mentira). A maioria das pessoas nem sabe o que é essa especialidade e acha que sou cardiologista. Mas não. Ser intensivista significa que eu sou uma médica que, além de fazer consultório, trabalho basicamente com doentes graves ou com potencial bem grande de ficarem bem graves. E que por isso ficam na UTI. Na verdade, estou contando porque isso envolve um grande grau de planejamento de forma que se evitem desfechos inesperados. Só que, aparentemente, não funciona em viagem.
No primeiro vôo (São Paulo X Houston) tudo correu bem: ninguém sentou do meu lado e consegui dormir durante a maior parte dele.
Segundo vôo (Houston X Los Angeles): A ausência quase que total de serviço de bordo devia ter feito com que eu suspeitasse de que sobraria para alguém.
Estava eu, aliviada pelo fato da maior parte de toda a viagem já ter passado e a cerca de um hora e meia de vôo de Los Angeles, em uso do meu kit de isolamento social (óculos escuro e fone nos ouvidos) de forma a evitar a senhora que insistia em pedir minha ajuda para ajudá-la a acessar o joguinho de memória do in-flight entertainment repetidamente (ela saía da tela toda hora sem querer). Encontrava-me um tanto sonolenta, até que vejo dois comissários correndo para frente e para trás com cara de pânico.
Tudo o que ouvi, ao tirar meus fones do ouvido, foi: “medical professional”. Confirmei com o comissário se estavam precisando de algum médico e ele afirmou que sim.
Apesar de o Palma Violets estar tocando “I Found Love” no meu fone de ouvido quando me levantei, o que eu encontrei foi um homem de uns 40 anos caído duro no chão do corredor. Sem pulso. Enquanto pessoas cutucavam-no.
Resumindo: o homem tinha tido uma convulsão seguida de uma parada cardíaca. Eu podia ter saído da UTI, mas a UTI foi atrás de mim. E eu, a única médica do vôo, atendi a emergência. Muito provavelmente ele morreria se não tivesse tido o auxílio rápido, ali mesmo no vôo.
Enfim, paciente estável e situação resolvida, voltei para meu assento e recoloquei calmamente os fones no ouvido, sob os olhares e burburinhos em diversas línguas. Liguei o shuffle com as músicas do meu telefone. A primeira delas foi, curiosamente, Johnny Marr, “I want the heartbeat”.
And I got it.”
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