A aposentadoria de Morrissey e o fim mesmo dos Smiths. Confira a entrevista que chocou o mundo pop
Lúcio Ribeiro
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* A entrevista na íntegra, em áudio, está disponível no final deste post.
Oh no… Como a gente temia, os problemas de saúde envolvendo o grande Morrissey podem trazer sérios riscos à sua carreira, como por exemplo “dar um fim” a ela. Depois de ter retomado a turnê interrompida no ano passado, Morrissey foi obrigado a cancelar o resto dos shows programados até o fim de abril na América do Norte, 22 no total. E, pelo jeito, ele não deve voltar aos palcos neste ano e, se depender de seus médicos, pode não voltar nunca mais.
Com a saúde bem debilitada, Morrissey foi aconselhado por sua equipe médica a abandonar os palcos. A revelação bomba foi feita pelo próprio cantor em uma entrevista para uma estação de rádio do México nesta semana. Nos últimos meses, o cantor precisou enfrentar uma úlcera hemorrágica, problemas no esôfago e uma pneumonia dupla. Esse susto grande pode fazer com que o maior letrista e um dos cantores mais queridos da história talvez nunca mais cante, que o sonho improvável de os Smiths voltarem não vai acontecer mais. O tom da notícia é quase o mesmo em relação à morte de John Lennon enterrando a volta dos Beatles, achei.
Confesso que fiquei surpreendido com a entrevista de Morrissey para a Reactor FM, emissora de rádio da Cidade do México, onde o cantor tinha um show marcado duas semanas atrás e entrou no pacote dos cancelamentos. À rádio, um Morrissey falante e bem “aberto” com todo tipo de assunto, sereno, mas vulnerável em suas declarações. Posso estar errado, mas senti que ele está sentindo o baque, sabe?
PROBLEMAS DE SAÚDE
O maior britânico vivo começou falando sobre seus recentes problemas de saúde. “Enfrentei uma barra. Tive hemorragia interna e fui levado às pressas para o hospital. Perdi muito sangue e tentaram me recuperar durante as cinco semanas seguintes, mas não estava adiantando. Toda vez que eu parecia melhorar, tinha uma recaída. Perdi muito sangue a ponto de ficar com anemia, mas ainda estou em tratamento e mais otimista agora. Sei que é quase absurdo o número de coisas que aconteceu comigo, mas a pneumonia dupla foi decorrente da minha perda de sangue. Minha imunidade ficou muito baixa. Então qualquer vento simples me fazia sentir muito frio. Mas estou em tratamento, passei muito tempo no hospital, vi muito os médicos, fiquei um bom tempo em tratamento intravenoso, então espero (espero, espero), vou ser salvo da morte”, disse o cantor.
A parte mais tocante da entrevista foi quando o cantor disse que foi recomendado pelos médicos a abandonar os palcos. “Tenho sido advertido, mas é muito difícil porque isso está enraizado dentro de mim. Sei que isso é o melhor da vida, quando você viaja, faz música e canta, isso é a melhor coisa que você pode fazer na vida. Não existe nada melhor. Você pode pensar em algo melhor?”.
Mesmo com o papo de advertência para aposentadoria, Morrissey disse que tem diversas músicas na gaveta, mas segue sem assinar com uma major, o que impede o lançamento delas. “Não tenho ideia, não sou abordado por ninguém para gravar, então nada acontece. Dessa forma, eu espero, espero e aqui estou eu, sentado e esperando. Tenho muitas músicas, uma grande quantidade. Poderia gravar três discos de estúdio imediatamente, facilmente. Mas nenhuma das majors (gravadoras) estão interessadas. Até me aproximei de algumas, mas elas disseram ‘não’. Creio que é uma questão da idade. Imagino que elas estão interessadas apenas nas bandas novas, em pessoas jovens que querem voar sem pedir nada em troca”.
MORRISSEY ANALISANDO MORRISSEY
Morrissey também confirmou que está escrevendo sua autobiografia, mas que ainda “não é o momento certo” para lançá-la. Que já tem até um título, mas não vai divulgar enquanto não for lançada. Perguntado se existe algum relato que pode chocar alguém, o cantor foi enfático. “Acho que não. Depende. Depende como as pessoas se chocam. Não sei como elas se chocam. Parece que nos dias de hoje as pessoas não se chocam por nada, mas, isso não é grotesco”.
Perguntado sobre qual o maior equívoco sobre sua pessoa, Morrissey pensou por alguns segundos e foi bem reflexivo. “Eu sou um cara extrovertido, e ao mesmo tempo muito introvertido, muito tímido. Se eu falar qualquer coisa de forma muito suave, eles vão reproduzir como se eu estivesse falando alto ou desabafando contra a Família Real… “Morrissey teve uma explosão”, quando na verdade tudo o que eu digo é de forma muito gentil, bem entendida. Então creio que o maior equívoco sobre mim é que eu seja um cara extrovertido o tempo todo. Não sou. E que eu sempre estou irritado e que sou um monstro. Isso não é verdade. Eu não sou um monstro. Não, não, não… Eu estou vivo, sou um ser humano e vejo o que acontece ao meu redor. Eu posso comentar, tenho meu ponto de vista e não tenho que aceitar automaticamente as coisas que acontecem, por exemplo, no mundo político, assim por diante”.
THE SMITHS
O seminal The Smiths, claro, entrou em pauta na entrevista que durou mais de meia hora. Primeiro, Morrissey comentou o fato de a banda, mesmo duas décadas depois, continuar exercendo tanta influência, ser tão respeitada, mesmo nunca tendo sido tão “midiática”. Ele disse que respeita o fato de muitas bandas e artistas ainda continuarem fazendo versões cover das músicas de sua ex-banda. “Eu nunca levei a mal se alguém faz uma cover de uma música, acho que é algo comovente mesmo quando a versão seja ruim, eu continuo achando legal que alguém estaria interessado em cantar. Algumas delas realmente me afetam emocionalmente. Mas eu acho extraordinário que todos os dias tenha alguém tocando uma canção dos Smiths, acho incrível. Até porque as rádios britânicas nunca tocaram Smiths e eles (a banda) provaram ser uma das mais influentes de todos os tempos, apesar de tudo, apesar de muitos obstáculos, eles nunca foram ajudados. Então é interessante o fato de você ter algo importante, especial ou significativo que ninguém pode pará-lo. Muitas versões são gravadas todos os dias, o que acho fantástico. Mas, mais uma vez, se eu lançar um single amanhã na Inglaterra, ninguém tocaria no rádio, o que é extraordinário. Até porque não teria essas batidas eletrônicas modernas e tolas de hoje em dia. Então, não importa o que aconteça, eu sempre parecerei estar contra a corrente, seja ela qual for”.
Morrissey também comentou sobre os constantes pedidos dos fãs e as notícias sobre uma possível reunião dos Smiths. De acordo com o cantor, não existe sentido em voltar com a banda. “Bom, isso persiste todo santo dia, todos os anos e constantemente as pessoas pedem para voltarmos com a banda. Mas as pessoas esquecem que não fui em quem separei os Smiths, então não sei por que as pessoas ficam me perguntando sobre uma reunião. Mas eu sempre digo ‘não’ porque nós somos pessoas totalmente diferentes agora, já se passou muito tempo e a verdade é que não nos conhecemos mais, não somos amigos. Então por que você estaria em uma banda com pessoas que você não conhece mais? (…) Toda vez que uma banda volta se torna uma notícia insana por duas semanas, depois é tipo ‘hummm’, e depois ‘tá, qual a próxima?’.
Para o cantor, todo esse papo de reuniões de bandas que se separaram são carregados por um sentimento “fake”. “É fake. Não me desce. Quando as bandas voltam, elas vão direto para os estádios e assinam grandes contratos de merchandising. Você nunca ouve que determinada banda está voltando na surdina, ensaiando por um ano no interior e saindo juntos. Eles sempre voltam só pelo dinheiro e pelos shows nos estádios. E isso não me cai bem. Quando você forma uma banda no começo você tem uma certa atitude, o mundo ainda não ouviu você e você quer que o mundo te ouça. Mas quando você está em uma situação em que todo mundo está esperando por você, não é a mesma coisa. Nunca vai ser a mesma coisa e você não é a mesma pessoa. Mas as pessoas têm na cabeça quando ouvem as músicas antigas que as pessoas que fizeram aquela música são as mesmas até hoje. E não são. Se você conhecer David Bowie e conversar com ele sobre o passado, ele não vai entender o ponto. Porque ele não é aquela pessoa de antes mais. Ele não está lá (no passado) e não sente aquelas coisas mais. Ele está vivendo o agora. Mas o ouvinte sempre acha que o artista permanece o mesmo e isso não é verdade”.
Mesmo com todo o papo de aposentadoria, Morrissey disse que espera retomar sua agenda em junho e voltar ao México não só para o show na capital, mas também por outras cidades do país.
Resta aguardar o que o futuro reserva para o maior britânico vivo.
* A entrevista na íntegra pode ser ouvida abaixo.